[57] Mário Quintana
Só para terem uma idéia de quanto o mundo anda conectado hoje em dia reparem nisso: um dia assisti a uma entrevista na televisão, no canal TV Educativa com um filósofo. Ele me impressionou tanto que anotei seu nome e pensei comigo mesmo que algum dia ainda leria algo dele. Pois que, muito tempo depois, me deparei com um livro desse autor em uma livraria. Gostei ainda mais, o que fez procurar algo na internet; no Youtube encontrei uma entrevista dele no programa do Jô. Nessa entrevista ele citou o mote deste texto: Mário Quintana. Pois que na mesma semana no teatro do Centro Cultural da Justiça Federal no Rio tinha uma peça que só ia ser apresentada por um final de semana relatando toda a obra deste grande poeta. E cá estou eu neste blog transmitindo, após mais algumas pesquisas na internet, parte da obra do poeta. Ufa, quase fico sem respiração: televisão, livro, internet, teatro...
Mário Quintana nasceu (1906) em Alegrete no Paraná e viveu muito tempo em Porto Alegre. Morreu em 1994. Dias após sua morte uma sobrinha encontrou em uma de suas gavetas uma sugestão de Epitáfio: “Eu não estou aqui”.
A prefeitura de Alegrete após aprovar uma homenagem a ele que ficaria na Praça Central pediu que escolhesse um dos poemas para ser gravado em bronze. Quintana, prevenido, com medo de fazer uma escolha errada, pediu que escrevessem: “Um engano em bronze, um engano eterno".
Morreu solteiro porém estava sempre cercado de mulheres. Tinha amizade com Bruna Lombardi e Cecília Meireles. Era apaixonado pela diva de cinema Greta Garbo. Quando perguntavam porque nunca se casara, ele respondia: "Preferi deixar dezenas de mulheres esperançosas do que uma só desiludida".
Bem seguem-se mais três frases de Mário Quintana (difícil de escolher, viu...) e ainda uma historinha e três poemas.
“O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.”
“A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.”
“O segredo não é correr atrás das borboletas...É cuidar do jardim para que elas venham até você!”
Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho
Eles passarão
Eu passarinho! (1978)
O peixinho
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no "17"! - o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... Ora , um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não , não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família . E viva eu cá na terra sempre triste!..." Dito isto, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho nágua. E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando...até que o peixinho morreu afogado...
O passageiro clandestino
No porta-malas do meu automóvel
levo o anjo escondido...
Quando chegamos a um descampado,
ele sai lá de dentro, distende as asas, belo como a Vitória de Samotrácia...
e eu, então, nos seus ombros, dou uma longa volta, pelos céus da cidade,
porém temos logo de regressar a nossos antros de cimento
— antes que a serenata dos sapos, mais uma vez,
venha cantar, à beira dos banhados,
à nossa modesta aventura de um domingo burguês
O anjo Malaquias
Só para terem uma idéia de quanto o mundo anda conectado hoje em dia reparem nisso: um dia assisti a uma entrevista na televisão, no canal TV Educativa com um filósofo. Ele me impressionou tanto que anotei seu nome e pensei comigo mesmo que algum dia ainda leria algo dele. Pois que, muito tempo depois, me deparei com um livro desse autor em uma livraria. Gostei ainda mais, o que fez procurar algo na internet; no Youtube encontrei uma entrevista dele no programa do Jô. Nessa entrevista ele citou o mote deste texto: Mário Quintana. Pois que na mesma semana no teatro do Centro Cultural da Justiça Federal no Rio tinha uma peça que só ia ser apresentada por um final de semana relatando toda a obra deste grande poeta. E cá estou eu neste blog transmitindo, após mais algumas pesquisas na internet, parte da obra do poeta. Ufa, quase fico sem respiração: televisão, livro, internet, teatro...
Mário Quintana nasceu (1906) em Alegrete no Paraná e viveu muito tempo em Porto Alegre. Morreu em 1994. Dias após sua morte uma sobrinha encontrou em uma de suas gavetas uma sugestão de Epitáfio: “Eu não estou aqui”.
A prefeitura de Alegrete após aprovar uma homenagem a ele que ficaria na Praça Central pediu que escolhesse um dos poemas para ser gravado em bronze. Quintana, prevenido, com medo de fazer uma escolha errada, pediu que escrevessem: “Um engano em bronze, um engano eterno".
Morreu solteiro porém estava sempre cercado de mulheres. Tinha amizade com Bruna Lombardi e Cecília Meireles. Era apaixonado pela diva de cinema Greta Garbo. Quando perguntavam porque nunca se casara, ele respondia: "Preferi deixar dezenas de mulheres esperançosas do que uma só desiludida".
Bem seguem-se mais três frases de Mário Quintana (difícil de escolher, viu...) e ainda uma historinha e três poemas.
“O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro.”
“A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda.”
“O segredo não é correr atrás das borboletas...É cuidar do jardim para que elas venham até você!”
Poeminho do Contra
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho
Eles passarão
Eu passarinho! (1978)
O peixinho
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no "17"! - o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... Ora , um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não , não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família . E viva eu cá na terra sempre triste!..." Dito isto, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho nágua. E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando...até que o peixinho morreu afogado...
O passageiro clandestino
No porta-malas do meu automóvel
levo o anjo escondido...
Quando chegamos a um descampado,
ele sai lá de dentro, distende as asas, belo como a Vitória de Samotrácia...
e eu, então, nos seus ombros, dou uma longa volta, pelos céus da cidade,
porém temos logo de regressar a nossos antros de cimento
— antes que a serenata dos sapos, mais uma vez,
venha cantar, à beira dos banhados,
à nossa modesta aventura de um domingo burguês
O anjo Malaquias
O Ogre rilhava os dentes aguda e lambia os beiços grossos, com esse exagerado ar de ferocidade que os monstros gostam de aparentar por esporte. Diante dele, sobre a mesa posta, o Inocentinho balava, imbele. Chamava-se Malaquias – tão piquinininho e rechonchudo, pelado, a barriguinha pra baixo, na tocante posição de certos retratos da primeira infância...O Ogre atou o guardanapo ao pescoço. Já ia o miserável devorar o Inocentinho. quando Nossa Senhora interferiu com um milagre. Malaquias criou asas e saiu voando, voando, pelo ar atônito.., saiu voando janela em fora... Dada, porém, a urgência da operação, as asinhas brotaram-lhe apressadamente na bunda, em vez de ser um pouco mais acima, atrás dos ombros. Pois quem nasceu para mártir, nem mesmo a Mãe de Deus lhe vale! Que o digam as nuvens, esses lerdos e desmesurados cágados das alturas, quando, pela noite morta, o Inocentinho passa por entre elas, voando em esquadro, o pobre, de cabeça pra baixo. E o homem que, no dia do ordenado, está jogando os sapatos dos filhos, o vestido da mulher e a conta do vendeiro, esse ouve, no entrechocar das fichas, o desatado pranto do Anjo Malaquias! E a mundana que pinta o seu rosto de ídolo... E o empregadinho em falta que sente as palavras de emergência fugirem-lhe como cabelos de afogado... E o orador que pára em meio de uma frase... E o tenor que dá, de súbito, uma nota em falso... Todos escutam, no seu imenso desamparo, o choro agudo do Anjo Malaquias! E quantas vezes um de nós, ao levar o copo ao lábio, interrompe o gesto e empalidece... - O Anjo! O Anjo Malaquias! - ... E então, pra disfarçar, a gente faz literatura.., e diz aos amigos que foi apenas uma folha morta que se desprendeu... ou que um pneu estourou, longe.., na estrela Aldebaran...